quinta-feira, 31 de julho de 2008

Frankenstein e Canções

Por muitos anos eu compus canções de forma intuitiva, sem entender exatamente como o processo se dava. Era uma espécie de turbilhão que tomava conta do compositor e sinalizava algo como "pega o violão que agora vai".
Com o tempo, depois de muito observar esse processo, comecei a compreender como ele ocorria; e isso é bom, pois otimiza o resultado e dá um maior controle sobre àquilo que se convencionou chamar de "inspiração".
O interessante desse processo de compreensão é que eu pude comparar as (minhas) músicas que 'funcionam' com aquelas que 'não-funcionam' e entender o que leva à uma ou à outra.
Não falo aqui de músicas boas ou ruins. Embora acredite na definição de arte como uma expressão do belo (Van Gogh que o diga, portanto, não me venham dizer que um cavalo pendurado no teto é arte moderna) o conceito 'belo' ainda é muito fluido e amplo.
Quando digo músicas que 'funcionam' falo das canções que expressam exatamente o que eu queria dizer. E o CD da Balla tem isso de bom. Todas as canções 'funcionam'. Dizem exatamente o que eu queria, palavra por palavra, acorde por acorde. Bah, isso pode ser perigoso...
Bom, o mais evidente ponto de diferença é que, nas músicas que funcionam, eu sempre consegui estabelecer uma ligação entre o que queria dizer e a que sentimento elas se referiam. Qual ferida, qual alegria eu queria transformar em poesia, harmonia, ritmo e melodia. E esse "saber" não era racional. Não era uma idéia tipo... "bah, preciso escrever sobre a Ditadura Militar". Ditadura Militar na América Latina sempre foi um ótimo tema (e foi o da minha primeira canção, aos treze anos de idade), mas só vai 'funcionar' se o compositor estiver sentindo isso. Não é à toa que as bandas de Brasília fizeram isso muito bem nos anos oitenta.
Decorrência lógica, as (minhas) músicas que "funcionam" foram compostas quase que numa penada só. Algumas levaram alguns dias, meses, não interessa. Mas as idéias saíam inteiras. Havia uma coesão. Escrito um verso ou um refrão, a substituição de uma palavra por outra só ocorria durante as execuções (ensaios), o que também faz parte da composição, aperfeiçoando a melodia com uma vocalização mais adequada, que melhor expressasse o belo.
O mesmo ocorre com o jogo de acordes e ritmos que estruturam a harmonia da música. Há acordes que criam tensão, há acordes que "fazem perguntas" e há aqueles que dão respostas ou lançam dúvidas. Saber jogar com isso, pressupõe que o compositor esteja com o sentimento na mão.
Por outro lado, percebi que as músicas que "não-funcionam" exigiam um esforço, uma racionalidade, uma tentativa de salvar ou texto. Ou seja, o primeiro passo do manual "Como Fazer um Frankenstein...". Havia sempre uma sensação de incompletude, uma sensação de que o texto não me pertencia.
O legal disso tudo é que compor não é o dom de nenhum iluminado. Estar com o "sentimento na mão" é quase uma técnica. É como se, pela observação, o compositor descobrisse o caminho que leva aquela energia que pulsa no chacra cardíaco até a ponta dos dedos, transferindo-a para o violão e para o texto.
Não se trata de um método, de uma fórmula. Isso não funciona. A menos que tu queiras compor um Frankenstein musical. Aliás, há alguns deles fazendo sucesso por aí. Melhor, há muitos deles... quase todos...
Pensando bem, fórmulas funcionam, sim.

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